Faz 20 anos desde minha graduação. 24 anos desde o estágio, em 1996, que trabalho com tecnologia. 34 anos desde minha iniciação no mundo da informática, quando a única coisa que se podia fazer com um computador, um MSX, embora tenha também usado um TK 85, era programar. Sete anos e meio desses 24 anos profissionais em pesquisas acadêmicas, no meu mestrado e doutorado. Dois dos 17 anos restantes em pesquisas científicas e laboratoriais.
Vi o mercado mudar do Delphi para o Java, depois para o Python, mas as linguagens C e C++ ainda se mantendo firmes, não necessariamente no topo, mas como jogadores principais no estado da arte.
Acompanhei as mudanças de um processo de produção coletiva que beirava o caos, sem uma metodologia apropriada de controle dos códigos fontes, para o CVS, SVN, Mercurial e agora o Git. Vi o nascimento do UML, do processo RUP, da metodologia CMM e muitas outras práticas da Engenharia de Software.
Aprendi e me deliciei com os aspectos formais da computação. A Máquina de Turing é uma maravilha da matemática e justifica a computação ser atribuída à Ciência. Acompanhei Chomsky transitando da linguística para a política. Ele já estava na política, mas ainda era conhecido como o linguista.
Acompanhei os desenvolvimentos da Inteligência Artificial desde as discussões conceituais, o desenvolvimento no reconhecimento de padrões, que servem bem para reconhecimento de imagens, as redes Bayesianas e as redes neurais, tudo isso convergindo para a área de Machine Learning.
Aprendi matemática o suficiente para compreender todo o processo fundamental da Computação Gráfica, os algoritmos de desenho por matemática discreta de Bresenham, de preenchimento de polígonos, as fórmulas, da álgebra linear, de projeção do 3D em 2D, bem como de transformações, tudo codificado em C, sem OpenGL. Não tínhamos os hardwares que suportavam à época. Não porque sou tão antigo assim, mas porque não havia investimento suficiente para as universidades. E desenvolvi um renderizador 3D rudimentar, com remoção de linhas ocultas e iluminação ambiente e “de Lambert”. Usei álgebra linear a torto e direito e cálculo diferencial e integral nesse processo, bem como nos processos de animação.
Vi o surgimento das placas gráficas, inicialmente 2D. Placas com decodificação JPEG embutido, depois as aceleradoras 3D, que demorei para conseguir. Continuam sendo caras. Eram estado da arte, as de estado da arte hoje também são.
Aprendi a modelar em 3D quando ainda era 3D Studio. Não era Max, nem da Discreet era, quanto mais da empresa atual.
Quando aprendi Banco de Dados relacional, porque não existia NoSQL, espaço digital era extremamente caro e havia necessidade de economia máxima de dados, a moda da vez era o Data Mining, que hoje evoluiu em Big Data ou Data Science. Vi o MySQL crescer, compilei uma das primeiras versões do PostgreSQL e fiquei contente quando, depois de inúmeras tentativas frustradas, mas documentadas, funcionou.
Compilei o GHC, compilador Haskell da Universidade de Glasgow, sem sucesso. Algumas bibliotecas necessárias para a compilação eram impossíveis de se obter por aqui, principalmente com a Internet que tínhamos na época. Mas acompanhei o crescimento do uso do paradigma funcional no mercado.
E fiz uma iniciação científica restaurando um projeto em Computação Musical, de composição automática, usando Prolog, ou seja, o paradigma lógico.
Bibliotecas para carregamento de arquivos eram raras e usá-las era muito difícil. Isso se dava devido ao preço ou à falta de documentação (ou não exclusivo). A melhor fonte de informação era um site denominado wotsit, em que eu me divertia à beça estudando os formatos WAV, MIDI, BMP, GIF, DXF, OBJ e tantos outros, bem como informações sobre como se programar placas de som, o que me ajudou muito no meu projeto de iniciação científica. E usava o site para diversas práticas, codificando rotinas de carregamento ou conversão, quando possível.
Vivi uma época em que ter uma rede doméstica era item de luxo, muito luxo mesmo. E fui privilegiado por dividir moradia com quem tinha acesso à tecnologia para conseguirmos montar uma em casa. Podíamos nos divertir codificando para a rede ou com os jogos RTS da época.
Não vi o nascimento da Internet, minha residência à época era no interior e tecnologia não era algo de interesse por lá (continua não sendo!), mas tive acesso logo que entrei na Universidade e acompanhei seu desenvolvimento e sua popularização. Atuei como webdesigner no meu primeiro trabalho freelancer. PHP ainda era um embrião. Aprendi a configurar servidores web, para ter a certeza que apesar de ser importante ter os conhecimentos de SysAdmin, hoje tarefa parte dos SRE ou DevOps, não era o tipo de tarefa que eu gostaria de trabalhar, mas que poderia atuar em caso de necessidade.
Vi o crescimento dos GIS, ou SIG, os Sistemas de Informação Geográficos e defendi meu TCC implementando recursos rudimentares de um, recursos suficientes para as tarefas requisitadas.
Trabalhei tanto em desenvolvimento quanto em arquitetura ou engenharia de sistemas. Em sistemas embarcados, distribuídos, ou standalone. Nas áreas financeiras, contábeis, de serviços, de entretenimento, de software de base, e na área comercial. Em arquiteturas monolíticas e em arquiteturas de micro serviços. Algumas pode-se dizer que eram híbridas.
Desenvolvi sistemas de Realidade Virtual e ferramentas para Realidade Virtual. Desenhei e desenvolvi jogos eletrônicos, incluindo jogos de azar, quando esses, os bingos, eram legalizados no país. Participei no desenvolvimento de ferramentas de integração entre sistemas de animação e motores de jogos. E em conjunto com um amigo idealizamos, fundamos e organizamos um Festival de Jogos que teve suas duas primeiras edições em 2003 e 2004, sendo renomeado para Festival de Jogos Independentes em 2005, organizado dentro da SBGames e sendo executado até hoje sob seus auspícios. Tive a oportunidade de ser Chair do evento novamente em 2007.
Vi a nuvem surgindo e as oportunidades das empresas pequenas, que não tinham condições de ter uma linha dedicada para serviços na Internet, nem de adquirir um servidor capaz de provê-los, de fazerem seu negócio crescer. E tive a oportunidade de trabalhar com isso também.
Foram 24 anos de trabalho e experiências adquiridas, incluindo atuando como professor na educação superior. Experiências essas que hoje são praticamente inúteis. As empresas querem alguém que passe em um teste, em uma competição de quem resolve mais rápido enigmas computacionais. Como se não existissem sites de treinamento. Como se fosse uma garantia de que os participantes selecionados não tivessem decorado ou praticado apenas para passar nos testes. Tais testes fazem troça do conhecimento fundacional e da experiência.
Tive a experiência de entrar para prestar serviços em uma empresa em que eles queriam resultado na primeira semana. O sistema não tinha documentação. Eles acreditavam que saber qual era o stack e conhecer o framework de desenvolvimento bastavam. Me dispensaram antes da primeira semana terminar. Cortaram meu acesso aos recursos da empresa e me comunicaram da dispensa 10 minutos antes de eu enviar o código para completar a tarefa, um código que reduzia a complexidade algorítmica, a quantidade de linhas e o consumo de memória. Vejam só!
E durante meu doutorado eu tive a oportunidade de estudar a fundo o tema que me levou à Ciência da Computação. O tema que me orientou durante o curso, Ciência da Computação, que eu descobri adorar. O tema que me deu muitas dificuldades durante o doutorado, que foi em engenharia, uma área eminentemente objetiva: Jogos!
Estou agora acrescentando outra carreira. Não largarei a área tecnológica. É minha paixão e meu recurso financeiro. Eu sou um criador e a liberdade de criação por meio da tecnologia é enorme. Mas se você entendeu a situação da área hoje, talvez perceba, como eu, que é um relacionamento abusivo.
A área de jogos também é, mas por outros motivos.
Jogo ainda é um conceito incerto. Há mais “desconhecido” que “conhecido” nesse contexto. A área de Estudos de Jogos, ou Game Studies, é eminentemente recente. E a divulgação sobre a área, sobre o tema, sobre as pesquisas, trabalhos, desenvolvimentos ainda está apenas na academia. Há alguma divulgação de cunho industrial e comercial, mas para a área em si é insuficiente.
Fiz minha manobra arriscada em usar o doutorado na engenharia para estudar jogos. Faço minha segunda manobra arriscada em além da área de tecnologia atuar também na área de divulgação científica.
Felizmente conto com o apoio de colaboradores que aceitaram o desafio. E em breve, o projeto Gamegesis estará no ar. Aguardem!”
(Atualização: O projeto foi iniciado e entrou em um hiato em Agosto de 2022. Estamos retomando o projeto. Aguardem Novidades! Mas confiram a página, nos siga no Instagram (@gamegesis) e nosso canal no YouTube )
E Joguemos!